Beatriz
“Chico – E só tem graça aceitar uma encomenda quando você pode ser infiel ao que foi encomendado, quando você pode tomar certas liberdades. Quando eu estava fazendo as letras para as músicas de Edu Lobo, no balé O grande circo místico, havia um tema para a equilibrista que eu não conseguia solucionar. No poema de Jorge de Lima, a equilibrista se chamava Agnes, que aliás é um belo nome, mas a letra não saía. Então troquei Agnes por Beatriz, transformei a equilibrista em atriz e coloquei-a no sétimo céu, em homenagem à Beatrice Portinari, de Dante. Beatriz carregando minhas obsessões…”
Fonte : Entrevista para a Revista Nossa América, 1989
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“O médico de câmara da imperatriz Teresa — Frederico Knieps / resolveu que seu filho também fosse médico / mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes / com ela se casou, fundando a dinastia do Circo Knieps.” Com esses versos Jorge de Lima começava em 1938 o poema surrealista “O Grande Circo Místico”, inspirado num fato real ocorrido na Áustria no século XIX.
Quarenta e cinco anos depois, Edu Lobo e Chico Buarque criariam a trilha musical para um bailado homônimo, baseado no poema, atendendo a uma encomenda do Balé Guaíra, do Paraná. No repertório composto, com relevantes arranjos do maestro Chiquinho de Morais, destacou-se a valsa “Beatriz”, uma metáfora da vida de atriz, também surrealista e de excepcional qualidade: “Olha / será que é uma estrela / será que é mentira / será que é comédia / será que é divina / a vida da atriz…”
De interpretação difícil, em razão de sua extensão vocal, dos intervalos melódicos e das modulações, “Beatriz” ganhou uma gravação definitiva de Milton Nascimento, que afirma: “Beatriz’ é minha” (ouça adiante!). Edu fez a música em tempo relativamente curto, com “a certeza de que ia ficar legal”, ao contrário de Chico, que demorou para completar a letra, sendo a composição uma das últimas do bailado a ser concluída.
A escolha de Milton para intérprete foi resolvida de imediato pelos autores, pois somente ele, com a naturalidade de que é capaz de fazer a passagem da voz normal para o falsete, poderia gravar “Beatriz”. Na hora da gravação, Milton ficou no estúdio apenas com o pianista Cristóvão Bastos e na terceira tomada cantou a versão escolhida. Posteriormente, foram acrescentadas umas pinceladas de cordas pelo arranjador Chiquinho de Morais.
Sem jamais ter entrado em paradas de sucesso, “Beatriz” acumulou prestígio ao longo do tempo, impondo-se por sua beleza como um clássico da moderna música brasileira. Do começo ao fim, sua partitura tem um desenvolvimento encantador, no mesmo nível de criação dos grandes compositores de qualquer época ou país. No formato A-A-B-A, a melodia de A parte de uma célula (“será que ela é moça”), aproveitada cinco vezes em movimento harmônico ascendente, com pequenas alterações, destacando-se os acidentes na última, sobre as sílabas “ros-to”, do verso “o rosto da atriz”. Segue-se ainda em A uma sucessão de colcheias (“se ela dança no sétimo céu”), culminando em duas notas longas (semínimas pontuadas na palavra “vida”), que funcionam como uma pausa e, na repetição de A, como preparação para a segunda parte.
Em B a tonalidade sobe uma quinta aumentada, pois a modulação que vem de mi bemol passa a si natural. Neste ponto a interpretação se torna ainda mais difícil, tanto por se atingir a nota mais grave da composição, na palavra “chão” (da frase “me ensina a não andar com os pés no chão”), quanto pelos saltos melódicos, acrescidos de outros acidentes primorosamente colocados, como no verso “quantos desastres tem na minha mão”.
Tempos depois de a música gravada, Edu e Chico descobriram uma coincidência: a nota mais grave da canção cai na palavra “chão” e a mais aguda na palavra “céu” (A Canção no Tempo – Vol. 2 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34).
Extraído de http://cifrantiga3.blogspot.com.br
Milton Nascimento(1983)
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