Canção que morre no ar
CANÇÕES QUE NUNCA MORRERÃO NO AR
Ruy Castro
Tenho uma velha e saudável divergência com Carlinhos Lyra. Ele acha que Juscelino Kubitschek, então presidente, foi da maior importância para o surgimento da Bossa Nova.
“Mas como? Juscelino também era compositor? Cantava? Tocava violão?” — perguntará você. É claro que não, respondo eu. JK não tocava nem vitrola e seu gosto musical, aliás, parecia não passar de “Peixe Vivo”. O que Carlinhos quer dizer, com a sua visão histórica, é que a Bossa Nova surgiu da “euforia desenvolvimentista” do período JK, assim como outras criações da arte brasileira naquela virada dos anos 50 para os 60.
Pois, em minha opinião, Carlinhos Lyra foi muito mais importante — umas mil vezes, no mínimo — para o surgimento da Bossa Nova do que JK. A tese é de um tal óbvio que me constrange ter de explicá-la. JK pode ter construído Brasília, inventado o carro nacional e pintado os canecos. Mas, sem Carlinhos Lyra — assim como sem João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes –, não teria havido a Bossa Nova e estaríamos cantando até hoje o “Ninguém me Ama”. Quanto a Carlinhos, teria sido grande compositor fosse quem fosse o presidente ou o regime daquela época.
Digo mais: a Brasília inteira de JK não vale “Canção que morre no ar”. E, indo ainda mais longe, afirmo que JK, com todo o ibope póstumo de que desfruta, um dia será esquecido. Mas canções como “Minha namorada”, “Primavera”, “Samba do carioca”, “Você e eu”, “Sabe você?”, “Se é tarde, me perdoa”, “Marcha da quarta-feira de cinzas”, “Influência do jazz” e tantas, tantas outras, existirão enquanto existir a sensibilidade.
Mas, é claro, esta é apenas a opinião de alguém que não tem a chamada visão histórica. E que, ao ouvir a imensa música de Carlos Lyra, quer mais é que a visão histórica vá pentear macacos.
Extraído de http://www.carloslyra.com/
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Canções que vegetam na grande rede
Convite aceito para participar do ciclo de palestra “Para ouvir uma canção: voz e tecnologia”, quase que instantaneamente me veio à cabeça o verso “Morre no ar um resto de canção”. Citei dessa forma, mas que só existe graças ao possível erro de Gal Costa no disco “Cantar” (1974). A frase de abertura de “Canção que morre no ar” é “Brinca no ar…” (confira em ‘O tempo não apagou’).
Só na manhã desta sexta-feira (17), após ter participado, na noite anterior, ao lado do jornalista e produtor musical Marcus Preto e do cantor e compositor Leoni, da mesa “Criticar canções em tempos velozes”, eu me toquei que Gal inverteu os versos iniciais do clássico dos clássicos de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli.
Nas primeiras gravações, em plena bossa nova, seja pelo próprio Lyra ou por Sylvia Telles, Rosana Toledo, Márcia, Wanda Sá, o original é “Brinca no ar/um resto de canção/um rosto tão sereno/tão quieto de paixão”. Para só na segunda estrofe entrar o “morre no ar”, mas seguido de “o sempre mesmo adeus”.
Teria sido um acidente ou intencional a troca feita por Gal? Questão que resolvi esclarecer com Lyra e também Caetano Veloso. Este, por ter sido o produtor de “Cantar”, disco que hoje é referência obrigatória na música brasileira mas, como lembrou Marcus durante nosso debate, foi rechaçado pela crítica na época.
Naquele período, eu ainda não militava nessa função, mas assim que o LP chegou fui seduzido por “Cantar”, que, além dessa etérea “Canção que morre no ar”, Gal planando nas cordas arranjadas por Perinho Albuquerque, apresentou-me o exuberante mundo de João Donato (autor de três outras que não morreram no ar, “A rã”, “Flor de maracujá” e “Até quem sabe”).
As respostas de ambos ao meu e-mail chegaram durante a tarde. Segundo Lyra, através do Facebook de sua mulher, Magda Botafogo, “teria sido engano mesmo”. Caetano, que nesta sexta voltou a Recife com seu show “Abraçaço”, também me confirmou e, no que é mais intrigante, disse só recentemente ter percebido a troca 40 anos atrás:
“Miguel,
Foi um mero erro. E acho que foi meu. Curiosamente, só descobri agora. Meu filho Tom é louco por essa música, toca no violão etc. Faz umas duas semanas, ele quis ouvir como Lyra a cantava. E veio me perguntar sobre o verso. Ouvi e me surpreendi. Eu próprio ainda cantava ‘Morre no ar…’. Fiquei meio envergonhado. Acho que há um outro erro de letra lá pelo meio, ‘o mundo sempre amou’ ou ‘é sempre amor’, não lembro (estou no Recife).
Um abração.”
Dúvida resolvida, é mudança que pouco altera o sentido. Afinal, a “morte” já fora anunciada no título, e naquele primeiro verso era apenas “um resto de canção” que brincava no ar. Sim, talvez Gal tenha antecipado, tirado um pouco da surpresa que a letra de Bôscoli tem, mas sua gravação é encantadora: a voz límpida e exata, sem nada a tirar ou acrescentar, em meio às etéreas cordas arranjadas por Perinho Albuquerque. Brinquemos, portanto, com as interpretações possíveis da bela e melancólica e enigmática música.
Carlos Lyra, um dos expoentes da Bossa Nova, autor do hino da UNE. No seu CD-Book “Eu & a bossa” (Casa da Palavra, 2008), Lyra comentara sobre a complexidade dessa canção sem prazo de validade: “Às 8h da manhã de um dia sombrio, depois de muita suadeira na mão, Ronaldo e eu terminamos ‘Canção que morre no ar’, uma das mais difíceis tanto em realização quanto em entendimento. Lembro-me de que saímos de sua casa e fomos para o botequim. (…) Enquanto esperávamos o café com leite, pão e ovos quentes, Ronaldo me olhou sério e disse: ‘Acho que essa foi a música mais bonita que já fizemos…’. E, seguindo seu estilo habitual, arrematou: ‘… mas também só vai vender dois discos, uma pra tua mãe e outro pra minha.’”
Contribuindo para o erro – ou premonição? a tal contribuição milionária que Oswald de Andrade falou? –, abri a sequência (cada um tinha cerca de 30 minutos e depois o público no teatro da Caixa Cultural entrou também na conversa) citando o verso alterado: “Morre no ar um resto de canção”. Verso que acabou virando o tema principal de hoje, quando, originalmente, pretendia avançar no tema da mesa que participei, assuntos que volta e meia estão presentes por aqui. É o que tentarei agora.
por Antônio Carlos Miguel
Extraído de http://g1.globo.com/
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Samba-canção de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, em gravação Odeon de Rosana Toledo, feita em 5 de fevereiro de 1960 e lançada em março seguinte no 78 rpm n. 14590-B, matriz 14074 (ouça adiante!). Confira também o lado A, “Samba triste”. Ambas as faixas seriam logo depois incluídas no primeiro LP da cantora, “A voz acariciante de Rosana”. Direitos fonográficos reservados à Universal Music International Ltda.
Extraído de Samuel Machado Filho
Rosana Toledo(1960)
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