Carinhoso
O “Carinhoso” tem uma história que começa de forma inusitada, com o autor mantendo-o inédito por mais de dez anos. Esse ineditismo é justificado por Pixinguinha, no depoimento que concedeu ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro em 1968: “Eu fiz o Carinhoso em 1917. Naquele tempo o pessoal nosso da música não admitia choro assim de duas partes (choro tinha que ter três partes). Então, eu fiz o Carinhoso e encostei. Tocar o Carinhoso naquele meio! Eu não tocava… ninguém ia aceitar”.
Portanto, o Carinhoso foi “encostado” porque só tinha (e tem) duas partes. O jovem Pixinguinha, então com 20 anos, não se atrevia a contrariar o esquema adotado nos choros da época, a forma rondó (A-B-A-C-A), herdada da polca. Ele mesmo esclarece, no depoimento, que “o Carinhoso era uma polca, polca lenta. O andamento era o mesmo de hoje e eu classifiquei de polca lenta ou polca vagarosa. Mais tarde mudei para chorinho”.
Assim, composto na mesma época de “Sofres porque queres” (um choro em três partes) e a valsa “Rosa” – gravados na Casa Edison em 1917 -, “Carinhoso” só chegaria ao disco em dezembro de 1928, interpretado pela Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, na Parlophon (ouça adiante!). Sobre essa gravação, um crítico pouco versado em jazz publicou o seguinte comentário na revista Phonoarte (n° 11, de 15/01/1929): “Parece que o nosso popular compositor anda sendo influenciado pelos ritmos e melodias do jazz. É o que temos notado, desde algum tempo e mais uma vez neste seu choro, cuja introdução é um verdadeiro fox-trot e que, no seu decorrer, apresenta combinações de música popular yankee. Não nos agradou”.
Ainda sem letra, “Carinhoso” teria mais duas gravações, a primeira (em 1929) pela Orquestra Victor-Brasileira, dirigida por Pixinguinha, e a segunda (em 1934) pelo bandolinista Luperce Miranda, figurando em ambos os discos, por erro de grafia, com o título de “Carinhos”. Apesar das três gravações e das execuções em programas de rádio e rodas de choro, “Carinhoso” continuava em meados dos anos trinta ignorado pelo grande público.
Em outubro de 1936, porém, um acontecimento iria contribuir de forma acidental para uma completa mudança no curso de sua história. Encenava-se naquele mês no Teatro Municipal do Rio de Janeiro o espetáculo “Parada das Maravilhas”, promovido pela primeira dama, D. Darcy Vargas, em benefício da obra assistencial Pequena Cruzada. Convidada a participar do evento, a atriz e cantora Heloísa Helena pediu a Braguinha uma canção nova que marcasse sua presença no palco. Não possuindo nenhuma na ocasião, o compositor aceitou então a sugestão da amiga para que pusesse versos no choro “Carinhoso”.
“Procurei imediatamente o Pixinguinha”, relembra Braguinha, “que me mostrou a melodia num dancing (o Eldorado) onde estava atuando: No dia seguinte entreguei a letra a Heloísa que, muito satisfeita, me presenteou com uma bela gravata italiana.” Surgia assim, escrita às pressas e sem maiores pretensões, a letra de “Carinhoso”, uma letra simples (não chega a alcançar o melhor nível de João de Barro), mas que se constituiu em fator primordial para a popularização da composição.
Pode-se mesmo dizer que o “Carinhoso” só se tornaria um dos maiores clássicos da MPB a partir do momento em que pôde ser cantado. Comprova a afirmação o número de gravações que recebeu desde o dia 28/051937, em que Orlando Silva o registrou em disco (ouça adiante!). É ainda Pixinguinha, em depoimento ao MIS, quem conta a história dessa gravação: “A maioria não estava interessada em gravar o “Carinhoso”. Todos queriam gravar a valsa “Rosa”. Primeiro foi chamado Francisco Alves, que não se interessou. O Galhardo também falhou (deixando de comparecer na data marcada). Então Mr. Evans (diretor da Victor) disse: “Ah, não! Não grava mais. Não veio no dia, não grava mais”. Aí chamou o Orlando, que gravou o “Carinhoso” e a valsa “Rosa”. Parece entretanto que, antes de gravá-los, o cantor não fazia fé nos versos de Braguinha. Pelo menos, isso foi o que deu a entender seu irmão Edmundo, encomendando ao compositor Pedro Caetano outra letra para o choro.
Comentando essa letra inédita (“Na mansidão do teu olhar / meu coração viu passear / uma feliz e meiga bonança” etc.) em seu livro de memórias, publicado em 1984, Pedro a considerou “piegas, sem graça e com várias palavras caídas em desuso”. Editados no mesmo disco (Victor n° 34181), “Carinhoso” e “Rosa” tiveram sucesso imediato, que somado ao de “Lábios que beijei” iria acelerar mais ainda o ritmo da carreira do futuro “Cantor das Multidões”, já na época em franca ascensão. “Carinhoso”, inclusive, seria adotado por Orlando como prefixo musical de suas audições.
Ostentando o mérito de ser uma das composições mais gravadas de nossa música popular, “Carinhoso” detém ainda o recorde de gravações nos repertórios de Pixinguinha e João de Barro. Além, naturalmente, dos autores e de Orlando Silva, incluem-se em sua relação de intérpretes em discos figuras como Sílvio Caldas, Ângela Maria, Elizeth Cardoso, Elis Regina, Dalva de Oliveira, Maria Bethânia, Radamés Gnattali, Antônio Carlos Jobim, Arthur Moreira Lima, Garoto, Baden Powell, Jacó do Bandolim, Hermeto Pascoal e muitos outros.
“Carinhoso” foi também vencedor de enquete promovida pela Cigarra-Magazine, em 1949, intitulada “Os Dez Maiores Sambas Brasileiros”. Quatro décadas depois, seria a música mais indicada pelos participantes da série de programas “As Dez Mais de Sua Vida”, produzida e apresentada por Luís Carlos Saroldi nas rádios MEC e JB. Orlando Silva declarou em várias entrevistas ser ele o responsável pela iniciativa de pedir a Braguinha uma letra para o “Carinhoso”. A versão de Orlando, porém, foi desmentida por Pixinguinha e Braguinha, encerrando o assunto.
Extraído de http://cifrantiga3.blogspot.com.br
Carinhoso (Pixinguinha) – Orquestra Tipica Pixinguinha-Donga(1928)
Carinhoso (Pixinguinha & Braguinha) – Orlando Silva(1937)
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