Cor de cinza

Noel Rosa

Cor de Cinza, o mais enigmático dos sambas de Noel

Gilberto Cruvinel, em 3/12/2011

Os biógrafos nos contam que Noel Rosa gostava de auto caricaturar-se. E sempre de perfil, exagerando o traço ao chegar no queixo, fazendo graça com a própria deformidade.

Há quem garanta que o samba Mentir foi feito depois de ser apresentado a uma admiradora, numa festinha em casa de família. Conhecendo-o apenas de nome, a moça teria ficado desapontada. Esperava um compositor bonito como suas músicas. Deixou escapar um “oh!”, ao que Noel, sem perder o controle, indagou:

– Sente alguma coisa?

      – Sim – respondeu a moça, um tanto embaraçada. – Uma pontada aqui, mas já passou.

Essa era uma das maneiras como Noel reagia a quem notava seu problema na face. A outra podia ser, também, como na dedicatória à cantora Yolanda Rhodes, a Yola, uma linda mulher que conheceu na Rádio Guanabara e que ficou impressionada com um novo samba dele.

Noel cantava os versos tristes e algo nebulosos da belíssima composição a que deu o nome de “Cor de cinza”. Yola pediu-lhe a letra, Noel escreveu-a numa folha de papel e, no final, anotou: “Para que você não se esqueça da feiura do amigo Noel.”  A linda Yolanda Rhodes não o esqueceu.

Em toda a obra de Noel não há composição de versos tão obscuros, tão indecifráveis. Aparentemente, ele conta uma história de amor. Baseado em informações de Pará, Almirante vai concluir que a inspiradora foi Julinha. Pouco provável. Há certa finura na mulher de luvas de pelica cinza que não combina bem com a extravagante Júlia Bernardes.

Laura Macedo nos informa que, segundo Jorge Caldeira, quando Julinha bebia, não havia cristão que segurasse a barra: tentou se afogar num riacho, quebrou o violão de Noel durante uma discussão e até veneno tomou.

O poeta mineiro Paulo Mendes Campos assim escreveu sobre “Cor de cinza” na Revista Manchete em 1974.

“Gosto em geral dos versos que convivem com a cidade. Nisso Noel foi o craque absoluto, e não apareceu no Brasil mais expressivo poeta popular do que ele. “O x do problema”, “Último desejo”, “Três apitos”, “Dama do cabaré”, “Feitio de oração”, “São coisas nossas”, “Só pode ser você” incluem-se todas no gênero de poesia brasileira popular que me fala. Noel tinha vocação para a coisa, e ele próprio sabia que a ‘vocação é necessária até para dar-se laço na gravata’. Há uma letra de Noel maravilhosa servindo a uma música também muito bonita, raramente tocada. Chama-se “Cor de Cinza”: ‘a poeira cinzenta da dúvida me atormenta…A luva é um documento de pelica e bem cinzento…’.  A história narrada pelos versos não é nada clara, mesmo depois de termos lido a interpretação que o esclarecido Almirante faz para os mesmos. mas não importa; trata-se do mais belo e hermético poema impressionista do nosso Cancioneiro Popular”

Paulo Mendes Campos

Manchete 20 de Abril de 1974

“Cor de cinza” é uma história fora de dúvida enigmática, enevoada, cuja origem há de morrer com Noel.

“Não durou muito a chuva e eu achei uma luva depois que ela desceu…”

Noel Rosa

Extraído de http://blogln.ning.com/

 

X.X.X.X.X

 

UM NOEL ROSA HERMÉTICO

Em 28/02/2010
Em 1997 o compositor e cantor Ivan Lins lançou o CD triplo “Viva Noel”. Do disco 1 faz parte o samba “Cor de cinza”, composto por Noel em 1933 (confira em ‘O tempo não apagou’!). É uma música que se pode dizer que aparece como um corpo estranho na obra do compositor, por causa do feitio da letra, em que os versos contêm impressões e imagens que aparentam não ter uma relação entre si, tendo como resultado um “texto” hermético, mas dotado de grande beleza. Por sinal que, segundo escreve o crítico João Máximo (autor, junto com Carlos Didier, do livro “Noel Rosa, Uma Biografia) no encarte do disco, o poeta e cronista Paulo Mendes Campos considerava esse samba “o mais belo e hermético poema impressionista do nosso cancioneiro popular”. João Máximo toca na obscuridade dos versos do compositor, “cujo mistério não há como desvendar: a história morreu com ele”. E informa que a música só foi gravada em 1955, por Aracy de Almeida, portanto, 18 anos depois da morte de Noel (ouça adiante!).
Assim, com apenas duas gravações (contando a de Ivan Lins), “Cor de cinza” é também uma música muito pouco conhecida de Noel (cujo centenário de nascimento ocorre este ano), entre as mais de 250 que ele compôs.

Extraído de http://luzesdacidade.blogspot.com.br/

Aracy de Almeida(1955)

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